BR-319 / NÍVEL 4 - GAME OVER
Cidade: BR-319/AM | Categoria: Diário do Piloto
Postado em: 17/9/2013
A noite foi a mais difícil de todas, pois cada vez que me mexia o corpo doía. Em contato com o chão duro há dois dias, costelas, quadril, joelhos, cotovelos... tudo doía... e com a Elda não era diferente.
Corremos para arrumar tudo, comemos as últimas bolachas salgadas e partimos pouco antes das 7h da manhã determinados a sair da mata a todo custo naquele mesmo dia e para isso teríamos que vencer 245 km da BR-319.
Saímos com muita sombra por uma estrada agora completamente de terra, onde era impossível acreditar que uma Rodovia Federal passa por ali.
Seguindo mais adiante, um macaco aranha cruzou a pista, paramos e tentamos localizá-lo na mata, mas era rápido o danado e o máximo que vimos foi um ou outro galho se mexendo. Não consegui uma foto, mas este encontro nos arrancou sorrisos até que ficamos completamente gelados ao ver uma Onça Puma cruzar a estrada bem devagar, parar, olhar para nós e seguir de volta para mata. Coisa de 50 metros da gente!!!
Essa eu consegui fotografar ao mesmo tempo em que ficava branco... mais branco que a cor da moto.
Não sabia o que fazer e me faltava coragem para passar por onde a onça negra tinha cruzado. Comecei então a tocar a buzina, engatei a marcha e acelerei... fizemos tanto barulho que a onça deve estar correndo até agora.
O medo foi tão grande em ver um bicho desses em plena luz do dia, que só paramos para nos abastecer de água há alguns quilômetros dali, e mesmo assim enquanto a Elda enchia nossas garrafas, eu montava guarda com uma faca nas mãos, sem tirar os olhos da mata.
Naquela hora me dei conta do risco que corremos no dia anterior, quando passando mal apaguei no asfalto por 2h. Se esse bicho anda pra lá e pra cá de dia, eu teria sido um delicioso e fácil almoço.
Continuamos empenhados em deixar a BR-319 e o Sol foi nos acompanhando e nos castigando quando a mata começou a se abrir por conta de queimadas e desmatamentos.
Quanto mais próximos chegávamos da civilização, mais marcas do homem encontrávamos.
Grandes campos de cinzas e troncos queimados sem nenhuma explicação, ainda soltavam fumaça e estalos.
Passamos pela propriedade dos Catarinos, uma família conhecida por abrigar moto viajantes que por ali se arriscam... mas como estávamos na ideia fixa de chegar à Humaitá, fizemos uma foto e continuamos nossa viagem.
A área desmatada pela propriedade dos Catarinos é enorme, muito maior que qualquer cidade do Brasil... uma visão lamentável e para quem viaja, doída, pois as sombras se afastaram da beirada da estrada e agora era motocar sob o Sol forte sem opção de abrigo.
Por volta das 15h chegamos na comunidade de Realidade, uma vila que cresceu à margem da 319 e que lembra uma cidadezinha do velho oeste com estabelecimentos alinhados construídos em madeira, dando passagem para estrada.
Ali abasteci no primeiro posto depois de 500 km e como não aceitavam débito ou crédito, coloquei apenas R$ 20,00 que encheu em 6 litros o tanque já na reserva. Até aqui a gasolina mais cara do Brasil – R$ 3,26 (US$ 1,43).
Depois de uma deliciosa Coca Cola gelaaaada, voltamos para estrada com a informação que depois de 15 km encontraríamos o exército mexendo na pista e que depois viria o asfalto... e como de fato, os 15 km foram chatos e a parte do exército complicada já que a terra mexida e molhada fazia a moto deslizar.
Quando finalmente chegou o asfalto, não resisti e parei para beijar a pista.
Acabava ali o trecho mais difícil da minha vida (até a presente data). Exausto, contraditoriamente me sentia mais forte, diferente com sensações de mudanças que ainda desconheço e que se revelarão mais para frente, com o tempo.
Essa BR-319 com certeza deixou marcas que eu ainda vou descobrir.
Pelo retrovisor fui vendo a mata se afastar e no entroncamento da Transamazônica, pegamos uns 5 km de terra já à noite, antes de entrarmos em Humaitá.
Agora duas coisas me passavam pela mente... ficar um dia descansando e repondo as energias e como fazer essa aventura novamente, mas desta vez com uma moto mais leve e sem garupa.
Será que os amigos me acompanham?