RUTA DA MORTE NA 40

34º dia de viagem
Cidade: Chilecito/AR | Categoria: Diário do Piloto
Postado em: 5/1/2013
Diário de Motocicleta

Hoje eu acordei com um silêncio interior típico; última cidade antes de voltar para casa.

Desde que publiquei o novo roteiro, partindo para Córdoba ao invés de continuar subindo a Ruta 40 até Salta e posteriormente San Pedro de Atacama e Salar do Uyuni, não parei de pensar em um meio alternativo para não abortar o projeto.
Sua continuidade conforme planejado é de fato mais que inviável, mas algo poderia ser feito ainda... havia um último suspiro e eu estudei novos caminhos.

Lembrei muito do meu pai hoje, de quando no auge dos meus 13 anos me tornei punk, ele veio conversar comigo sobre anarquia, e me disse que homens que vivem de ideologia não ganham dinheiro. Isso me martelou até a hora em que decidi continuar na Ruta 40 até Chilecito.

O roteiro original era até La Rioja, mas adaptando os planos a nova realidade e o ideal de completar ao máximo a Ruta 40, acrescentei mais 580 km no novo roteiro e fui embora.

No começo, a 40 saindo de Mendoza é bem chata, com retões e a Cordilheira cada vez mais longe da pista.
Depois de San Juan, onde abasteci, a Cordilheira chega um pouco mais perto, coisa de 20 km de distância e a pista começa uma sucessão de depressões. Essa onda é proposital para escorrer as águas que descem as montanhas, eles chamam de "Zona de Bandenes". Isso faz da Ruta 40 um imenso tobogã com extensão quilométrica.

Em Guandacol, um povoado acerca de 145 km de Chilecito e uns 40 km de Villa Unión, existe um posto sem bandeira, mas o frentista usa um boné da YPF e a gasolina é azul. Como já estava a uns 200 km sem abastecer, garanti mais um tanque, o que foi sábio, já que após 40 km existe um posto abandonado na estrada. Não sei se entrando na cidade há outros, então é melhor completar e seguir tranquilo.

Mas, o melhor da Ruta 40 neste trecho veio no final... 150 km que compensaram 520 km de sonolência.

Antes de chegar a Villa Unión a estrada começa a serpentear paredões vermelhos moldados pelos ventos, criando esculturas como se modeladas em isopor. O incrível é a vegetação verdinha no meio de um ambiente árido e rochoso. Realmente um contraste de enriquecer qualquer foto, de qualquer ângulo.

Passando Villa Unión o Site da Ruta 0 indica o começo de 120 km de rípio, mas de estrada só existe 105 km de distância e o frentista do boné azul havia me dito que só existia 20 km sem asfalto.

E não é que era verdade, e um rípio da melhor qualidade que me salvou, já que o asfalto acabou em uma curva que eu acabara de entrar a 120 km/h.

Pensa num cabra branco!

Eu fiquei transparente e só soltei a mão do acelerador e torci para que o rípio nem desse conta que eu estava ali... e deu certo. Toquei em média a uns 70 km/h e o rípio foi alterando entre primeira camada de asfalto e pedrinhas bem finas.

A subida me levou até 2.000 m de altitude e quando começou a descer veio o presente principal, a estrada construída por Don Vicente Bolloli entre 1918 a 1928 – dez anos de um trabalho impecável, esculpindo na pedra uma estradinha da morte de dar inveja a outras rutas perigosas, mas com um capricho e muros de contensão nos trechos mais perigosos, a Ruta 40, que incorporou esta via após 1935, desce em um traçado sinuoso com um visual fantástico.

Desci e subi um pedaço duas vezes para fotos e filmagens... os vídeos vão ficar show de bola!

Acredito que esse pedaço da estrada, quando a obra de asfalto da 40 terminar, ficará desativado, pois há um novo traçado sendo construído e este não possibilita ampliação... é muita rocha para cortar.
É melhor você correr e aproveitar enquanto dá tempo.

À medida que a estrada desce a montanha, a pista fica mais larga e há um santuário para a "Difunta Correa", um mito folclórico na Argentina de uma mulher que acompanhou o marido na guerra civil no meio do século XIX. Conta a lenda que ela levou seu bebê recém-nascido e após a morte do marido, os mantimentos e a água acabaram e ela acabou falecendo de exaustão e sede.
Dias depois encontraram seu corpo com o bebê ainda vivo, graças ao leite que não parou de ser produzido.

A "Difunta Correa" possui muitos devotos, principalmente caminhoneiros e viajantes que pedem sua proteção pelas estradas, e quando encontram santuários como este, deixam água, comida e objetos.

Lenda ou não, deixei um adesivo do Diário de Motocicleta e segui até Chilecito aonde cheguei por volta das 19h30 horário local.

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