AREIA - O PIOR RÍPIO DE TODOS

31º dia de viagem
Cidade: Mendoza/AR | Categoria: Diário do Piloto
Postado em: 2/1/2013
Diário de Motocicleta

O coração amanheceu apertado por conta do aniversário da Elda. Os planos eram completamente outros... Natal, Ano Novo e Aniversário na estrada... não é justo, mas enfim!

Trabalhei no site até umas 11h da manhã e na hora de fazer o check-out no Hotel, conversando com o senhorzinho que fica na recepção – deve ser o dono – prontamente me ajudou com mapas e informações sobre a Ruta 40 que eu ia pegar ao invés de rodar pelo asfalto.

De Malargüe até Mendoza pelo asfalto, saindo da 40, são cerca de 420 km, mas eu queria rípio, aliás, é por este motivo que se roda esta mística estrada.
Ele me deu uma ótima notícia, dizendo que o rípio era bom e não mais que 60 km. Até me apontou no mapa onde eu encontraria “nafta”. Um dia perfeito me aguardava.

Com a moto pronta, liguei para Elda para lhe desejar Feliz Aniversário, aproveitei para ligar para minha filha, e antes de seguir viagem, passei no Centro de Informações ao Turista, a fim de pegar algumas sugestões de passeios, mesmo já de partida. Fui informado que ao norte havia uma laguna que valia a visita e pra lá segui.

Coisa de 35 km seguindo ao norte pela 40 asfaltada, há uma bifurcação para a Ruta 222, que segundo o agente de turismo, em 10 km eu encontraria a Laguna de la Niña Encatada... pois bem... passei batido e cheguei até um vilarejo de Ski chamado Los Molles. Lá me informaram que a saída para Laguna fica 7 km antes, então voltei. O erro se deu por dois motivos, primeiro que a saída fica a 25 km e não 10, e por que são tantas curvas em um vale de altas montanhas, que absorvido com o deitar da moto, nem vi a plaquinha indicando a dita cuja.
É preciso descer uns 150 m até o rio, deixar a moto e caminhar outros 150 m até chegar na Laguna que fica escondida por um paredão de pedras vulcânicas. Trata-se de um aquífero que após uma erupção construiu o paredão há 600 anos, de onde aflora uma água azul, puxada para um verde impressionante.

A Laguna possui não mais que 40x60 m e cerca de 12 m de profundidade, a temperatura da água é de 4C°, e mergulho e pesca são proibidos.
Um refresco para os olhos que só enxergaram pedras ao longo da Ruta 40. Vale a visita.

Antes de voltar para a estrada, encontrei uma família de Buenos Aires encantados com a minha viagem, é engraçado o espanto quando descobrem o roteiro, e que viajo solo.
Aproveitei a festa e gravei mais um trecho da mensagem de Feliz Aniversário para Elda que só não teve mais depoimentos, por que as baterias estavam descarregadas. Os 950 km do dia anterior me jogaram na cama com todos os carregadores fora das tomadas.

Já na Ruta 40, passando da cidade de Sosneado, onde não havia “nafta” a Ruta 40 vira 144 e depois de 60 km existe a saída para a EX-RUTA 40, o traçado original que está aberto mas pouquíssimo usado por conta da 144 que segue até a cidade de San Rafael.

E foi pelo rípio que eu segui. 60 km seriam fáceis, mesmo com os 10 km iniciais difíceis por conta de muita areia e costelas de vaca já conhecidas no tramo do dia anterior.

Passados esses poucos km, parei para fotos e gravação de vídeo quando um Fiat 147 – muito comum por estas bandas, parou para saber se eu estava bem. Disse que sim, que apenas tirava fotos e que seguia para Mendoza. O motorista disse que eu estava errado, que deveria voltar para a Ruta 144 e seguir até San Rafael e de lá para Mendoza. Eu expliquei que queria ir pelo rípio o que lhe causou uma paralisia de uns poucos segundos até soltar “Madre de Dios, és um maluco” e caiu na gargalhada. Rimos juntos e antes de se despedir confirmou que eram 45 km restantes.

Continuei no rípio difícil passando pelo Vulcão El Dinamite, que criou o vale há alguns milhões de anos, mas pouco se nota a camada de pedra vulcânica pela qual a Ruta 40 passa, somente depois de uns 30 km há uma depressão onde por conta do corte no terreno, é possível ver que estava sobre um terreno preto e retorcido. Há uma pedra de umas 4 toneladas fincada no chão ao lado da Ruta que foi arremessada a uns 20 km de distância do vulcão... dá pra sentir a pressão do danado?

Nesta depressão havia um túnel e me perguntei por que construir um túnel ao invés de dar a volta nesta depressão, e a resposta veio ao sair dele e passar por cima da Barragem da Hidrelétrica Agua del Toro... um visual impressionante e surpreendente, jamais poderia imaginar uma barragem daquele porte no meio do nada.

Depois de várias fotos e vídeos, voltei para o rípio e fiz sinal para um caminhão, pedindo informações de quantos km faltavam para o rípio, o qual me informou que dali 30 km teria até “nafta”.
10 km a mais que o previsto, sem problemas.

O rípio veio mais difícil, com muita areia que estraga a brincadeira e diminui muuuuito a velocidade. E nada do asfalto.

Ao longe vi algo como uma moto, mas fazia muito zig-zag até que identifiquei como uma bicicleta. Eu tiro o chapéu para esses malucos que rodam de bike... de moto é fácil e quem chora muito deve ficar em casa e se aventurar até Serra Negra/SP.
Era um Canadense chamado Charlie, rumo ao Ushuaia, com barba grande, imaginei o dia da sua saída, 7 meses antes todo limpinho lá do Canadá, sem o olhar cansado, queimado pelo Sol latino e suado mesmo com o vento frio.
Pedi informações sobre o asfalto e ele consultou o velocímetro, fez umas contas e soltou – “50 km”!

Pára!

Antes eram 60 km, segundo o caminhoneiro eu teria mais uns 10 km a mais que o previsto e depois de 40 km ainda me restavam 50?

Os ombros doeram e eu ouvi a gargalhada do cara do Fiat 147 me chamando de louco!

Estávamos no meio do caminho praticamente, já que eu havia rodado 70 km até ali.
Conversamos mais um pouco e desejamos sorte um ao outro e segui em frente na fé que ele havia se confundido, 5 com 50... mas 10 km depois vi que ele poderia estar certo.

O Sol foi baixando cada vez mais e o rípio se alternado em pedras e areia, fazendo a moto sambar muito e quase me levando ao chão umas três ou quatro vezes... foi por pouco que não comprei terreno na Ruta 40.

Passadas 4h, em exatos 120 km, voltei para o asfalto na altura de San Carlos onde abasteci depois de rodar uns 340 km sem postos de combustível e faltando uns 120 km até Mendoza, a qual cheguei já passava das 22h – horário local.

Este trecho da Ruta 40 reúne o melhor e o pior desta estrada, e dificilmente este tramo será asfaltado um dia, já que não se pode prejudicar o fluxo por San Rafael. É um caminho mais curto sem dúvida, mas muito difícil.
Se um dia vier rodar na Ruta 40 e ela estiver totalmente asfaltada, siga de Mendoza até Malargüe por esses 120 km e terás um pouco da experiência de motocar no rípio da 40.

Cansado, mas realizado!
Desafio superado.

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