RUTA 40 IN NATURA
Cidade: Perito Moreno/AR | Categoria: Diário do Piloto
Postado em: 26/12/2012
Que dia amigos!
Acordei preocupado com o trajeto que percorreria hoje, cerca de 700 km até Perito Moreno, por um dos trechos remanescentes mais complicados da Ruta 40.
A Ruta Nacional 40 foi criado em 1935 e liga o Sul (Cabos Virgens - Santa Cruz) ao Norte (La Quiaca - Jujuy), 11 províncias e três regiões através dos seus 5.140 quilômetros que fazem fronteira com a Cordilheira dos Andes.
Parte da Ruta 40, nas regiões mais ao norte, foi originalmente construída pelo Império Inca e por conta disso, os Governos da Argentina e do Peru juntos tentam promover o Caminho Principal Andino como Patrimônio Mundial da UNESCO.
Há um plano em ação que visa asfaltar toda a Ruta 40, porém, mais ao Sul, estão os trechos mais críticos que ainda não foram totalmente beneficiados. Por este motivo a minha preocupação com o roteiro, já que as pesquisas feitas revelavam diferentes prognósticos.
O Google Maps me dava 620 km, o site Ruta 0 apresentava 691 km e mais de 450 km de rípio, e o site das Vias Argentinas (Vialidad Nacional) contabilizava os trechos asfaltados, ainda que não liberados para o trânsito.
Buscando informações em sites de moto viajantes, o que eu encontrei foram relatos de viagens de dois ou três anos e isso fechava o cenário incerto.
Para evitar qualquer contratempo, e baseado nas informações de locais em El Calafate, enchi o tanque e mais um galão de 5L, já que haveria posto em Três Lagos e depois somente em Bajo Caracoles, uns 350 km entre estes postos.
Sai atrasado como sempre (sou brasileiro e não mudo nunca) e voltando 30 km pela Ruta 11 já acessei a Ruta 40 “asfaltadinha da Silva”.
Foram 160 km até Três Lagos onde o asfalto acaba e é preciso sair à esquerda para continuar na Ruta 40. Ali existe um posto de combustível sem bandeira com o preço um pouquinho mais caro que os praticados em El Calafate – $ 4,489 (R$1,76) contra $ 5,60 (R$2,20).
Enchi o tanque e o dono do posto me informou que nos últimos dias havia chovido muito na região, e que provavelmente eu encontraria muita lama... mas que seriam apenas 190 km de rípio, depois vinha o asfalto. Maravilha... bora conferir.
Sai do posto e já começou o rípio!
Trechos bem compactados com poucas pedras e trechos com terra batida me permitiram rodar acerca de 90 km/h e em algumas ocasiões até 100 km/h.
Cruzei ao todo com 9 motociclistas, sendo 2 não identificados, 4 do Chile, um casal da Austrália, um casal da Grécia e outro que me arrancou gargalhadas.
Tão logo entrei no rípio, coisa de 15 km, vi os 2 não identificados acima e dei seta reduzindo a velocidade, mas os caras só passaram acenando. Depois vi outra moto vindo e já parei atravessado e liguei os piscas fazendo sinal. O cara parou do meu lado e começamos a conversar em espanhol sobre o estado da Ruta até que eu perguntei de onde ele era, ao que me respondeu Brasil!
Rachamos de rir e descemos da moto para conversar mais um pouco.
Pilotando uma BMW 800, o Kike saiu de Búzios onde mora, mas pelo sotaque, não é brasileiro nascido. Estava indo para El Chatén e depois Ushuaia de onde voltaria para o Brasil pela Ruta 3.
Trocamos informações, lhe dei algumas dicas e condições das estradas para o Sul e ele me descreveu como estava a estrada à minha frente, e como foram os dois dias em que ficou preso em um hotel esperando a chuva passar.
Tiramos fotos um do outro e cada um seguiu seu caminho.
Nas minha anotações, na primeira hora rodei 40 km. Na segunda hora foram 60 km que me deixaram bastante animado, haja vista que páro para filmar e fotografar. A terceira hora, mais 53 km, e fechando quatro horas de rípio, o trecho mais complicado com 35 km apenas por conta de muita pedra solta e completa ausência de caminhos. A sorte foi a lama estar seca.
Foram 188 km olhando para o chão. Não dá para olhar a paisagem e quanto mais rápido se anda, mais adiante deve-se olhar. Quando as trilhas feitas por carros e caminhões desaparece, é preciso desacelerar e deixar a moto ir, enquanto se reduz a marcha e de leve toca-se o freio traseiro.
É uma tensão sem fim, e com o tempo surge uma dor nos ombros com a qual você tem que conviver.
Desta etapa de rípio, os últimos 70 km foram especialmente difíceis e rodados na Ruta 29, já que a 40 estava bloqueada com um trator. Isso me colocou na bifurcação para Gov. Gregorio, onde um oficial havia me dito que lá haveria “nafta”. Acontece que seriam 60 km até a cidade e outros 60 para voltar à Ruta... na minha média seriam 2h a mais e optei em continuar, apostando nos meus 5L de reserva e na fé de ter combustível em Bajo Caracoles.
Ao fim dos 188 km começou o asfalto que foi até Bajo Caracoles com 1 ou 2 km de rípio entre o asfalto novo e sem pintura.
Chegando em Bajo Caracoles, que não é nada além de um Hotel, um posto de combustível, polícia e lanchonete, enchi o tanque sem mesmo tocar no meu galão reserva, mesmo a gasolina custando mais - $6,30 (R$ 2,48).
O frentista me informou que até Perito Moreno eram mais 156 km embora as placas me informassem que seriam apenas 130 km. Mas esqueci de perguntar o quanto de rípio eu pegaria, já que a poucos metros do posto começou o danado de novo.
A esta altura eu já estava na estrada a umas 8h, o cansaço já se fazia presente e os ombros, já nem doíam mais, estava duros e travados. Encarar o rípio novamente seria maçante, mas eu não contava que ele estaria em péssimo estado, extremamente fofo e sem trilhas de carros.
Para somar ao cenário, começou a ventar forte e a moto era conduzida para os montes de pedras acumuladas nos cantos, o que me fazia por diversas vezes desacelerar e prender a respiração.
Foi mais de uma hora para percorrer 40 km e voltar para pista faltando 88 km até Perito Moreno.
Cheguei com a luz do Sol por volta das 19h30, depois de 10h30 de estrada, extremamente cansado, mas profundamente satisfeito em ter superado mais este desafio, rodar a Ruta 40 "roots"... na terra, in natura.
Ainda que em pequenas partes, sinto orgulho de fazer parte da seleta trupe que rodou no rípio da 40.
Amanhã tem mais rípio!