NAS PROFUNDEZAS DE CERRO RICO

Cidade: Potosí/BO | Categoria: Passeios
Revisado em: 20/10/2017
Diário de Motocicleta

Após a chuva do dia anterior, que despencou as temperaturas e cobriram de neve os picos que rodeiam Potosí, o dia amanheceu com céu azul, prometendo um dia quente, ao menos para nós que tínhamos planos de descer alguns metros pra baixo da terra, explorando as minas de Cerro Rico, a 4.800m de altitude.

Antes de falar do nosso tour, deixa eu fazer um parêntese na história do lugar que é bem interessante.

Quando os Incas chegaram por aqui, a prata brotava do chão – in natura como se diz, sem a necessidade de escavar para encontrar este mineral.
Por volta de 1560, com a colonização espanhola, os caras ficaram loucos com tanta prata, que, após uma farta colheita, iniciou-se as escavações e a abertura das primeiras minas de prata que utilizavam mão de obra escrava, primeiro com os índios locais, depois com negros trazidos da África. Ambos, trabalhavam em condições desumanas por até 18h por dia, sete dias por semana.

Dizem que a quantidade de prata que foi extraída de Cerro Rico foi tão grande, que daria para pavimentar uma estrada de ida até a Espanha, e uma ponte de ossos de volta, tamanha a quantidade de mortos envolvidos nestes trabalhos.

Nesta época, Potosí teve uma explosão demográfica e chegou a ser a segunda maior cidade do mundo com cerca de 200 mil habitantes, onde praticamente todos estavam envolvidos na extração de prata, e a mais rica do continente Americano.

Com a extração desordenada, logo o vil metal ficou escasso, e colocou Potosí em declínio econômico, até que em meados do século passado, outro metal aqui encontrado valorizou-se, trazendo riqueza novamente para a cidade – o estanho.

Até então, as minas pertenciam a pessoas ricas e importantes, até que o Governo estatizou todas elas, trazendo "Anos de Ouro" por assim dizer, para os mineiros que ganhavam altos salários para trabalhar.

Porém, por volta de 1985, não era mais lucrativo para o Governo manter estas minas, e simplesmente encerrou as atividades, demitindo milhares de trabalhadores que migraram para o norte do país, iniciando o cultivo em massa da folha de coca.
Infelizmente logo se deu o processo de industrialização da cocaína, e atualmente, esse é um problema que envolve cultura, subsistência e narcotráfico.

Vendo o problema que estava sendo criado, o Governo reuniu os mineiros e propôs que eles explorassem as minas por conta própria, sem salários, sem ajuda de custo e sem equipamentos. Em troca da concessão, os mineiros teriam que pagar impostos pela exploração, e assim se deu as 30 cooperativas que hoje trabalham em aproximadamente 80 minas.

Cada trabalhador faz o seu horário, e é responsável por seus equipamentos de proteção, ferramentas, explosivos, e até pela luz e pelo ar dentro das minas.

Por isso o nosso passeio para conhecer de perto essa realidade começou no chamado Mercado dos Mineiros, onde as boas práticas de relações públicas, sugere que os turistas presenteiem os mineiros com sucos e folhas de coca. Pode-se comprar outros itens se assim desejar, como luvas, cigarros, álcool 96% e até dinamites.

Compramos duas sacolas com sucos e folhas de coca e seguimos nosso guia para equiparmos com botas, calça e jaqueta, bem como capacetes com lanternas... nossa agência disse que incluiriam máscaras, mas acabou não rolando.

Disfarçados de mineiros, subimos Cerro Rico e entramos na Mina Cori Mayo que significa Rio de Ouro – embora não exista ouro nestas minas.

Tão logo entramos, a poucos metros túnel adentro encontramos o famoso El Tío, uma divindade que reina no mundo dos mortos, ou no mundo debaixo. Para entender melhor, para os Incas e Aymarás, o mundo era dividido em três partes: o mundo de cima - espiritual, o mundo em que vivemos, e o mundo debaixo pertencente aos mortos, então, tudo que se tira da terra não lhes pertence, e deve ser reverenciado e agradecido, e El Tío é o cara para quem os mineiros oferecem cigarros, álcool, folhas de coca e adornos.

Cada mina possui ao menos um El Tío que tem a forma de um diabo da religião Católica, mas na verdade não é, pois para os antigos indígenas que os reverenciavam, não existe entidade 100% boas ou más... todos tem um pouco de cada, e acabaram adotando essa imagem diabólica, de tanto que os Jesuítas insistiam na palavra diabo.

O nome El Tío é uma variação da palavra DIO (Deus em Espanhol) por que eles não conseguiam pronunciar a letra “D”.

Após uns tragos de álcool 96% (é forte pra danar), seguimos entrando cada vez mais profundo na mina, por trechos estreitos e alguns alagados, cruzando com mineiros de poucas palavras e cabeças baixas.

O passeio é punk e você precisa desencanar de o quanto está debaixo da terra... o esforço é grande, considerando que mesmo dentro da Terra, ainda estamos em alta altitude, e se o ar é pouco do lado de fora, imagina dentro da mina?

Eu cheguei a ficar com falta de ar pelo esforço da caminhada, e até iniciei um processo de claustrofobia ao imaginar a quantidade de montanha sobre as nossas cabeças, mas logo me coloquei nos trilhos e continuamos a caminhada túnel adentro.

Apesar da grande quantidade de trabalhadores estarem em frentes de trabalho há mais de 800 metros de profundidade, conseguimos encontrar alguns mineiros para quem demos nossos presentes e puxamos um papo tímido, sem a permissão de filmar ou fotografar.
Apesar da expressão de sofrimento e cansaço, não ouvimos lamentações de nenhum deles que, seguem na maioria, a tradição da família neste tipo de trabalho... digo a maioria porque um senhor, que deveria ter a minha idade, apesar de aparentar muitos anos a mais, trabalha sazonalmente, já que tem terras para os lados de Sucre aonde cultiva batatas. Quando as terras estão sendo preparadas ou em intervalos de plantio, ele complementa a renda familiar nestas minas.

Depois de um rápido bate papo, os mineiros começaram a se dispersar e sumiram na escuridão dos túneis, e começamos nossa volta a superfície depois de percorrer aproximadamente uns 600m – o calor já estava insuportável e o ar pesado, repleto de pó que dificultava nossa respiração.

As vistas doeram quando saímos da mina, e encher os pulmões com ar fresco foi maravilhoso.

Retornamos para o galpão para devolver nossos equipamentos, e em seguida o guia nos levou de volta ao hotel, onde havia nos buscado cerca de 3h antes.

Em Potosí existem várias agências que oferecem este passeio com variações de 3 a 4h, para grupos de 10 a 20 pessoas, o que pensamos ser infernal tanta gente dentro de túneis tão apertados.

Optamos em um tour privado e ficamos felizes com o serviço e as excelentes explicações do nosso guia Marcos.

Os amigos vão encontra estes passeios em grupo por B$ 80,00 (US$ 11,30) por pessoa, e particulares entre B$ 120,00 (US$ 17,00) a B$ 800,00 (US$ 112,00) por pessoa. Nós pagamos B$ 280,00 (US$ 39,00) o casal na Agência AM Travel diretamente com o proprietário Martín Arce– a agência fica na frente da Casa da Moeda, Calle Ayacucho.

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