ALGUÉM ESPERAVA POR PERRENGUES TÃO CEDO?

4º dia de viagem
Cidade: Santiago de Chiquitos/BO | Categoria: Diário do Piloto
Revisado em: 13/12/2017
Diário de Motocicleta

Pois é meus amigos... quando digo que eles seguem na bagagem, poucos acreditam.

Acordamos em Corumbá no nosso terceiro dia de viagem com dois objetivos em mente, descansar após 1.500 km feitos em dois dias, e tratar os trâmites de aduana e migração para entrar na Bolívia.
Sempre reservo um dia para essa papelada, especialmente na fronteira do Brasil com a Bolívia, porque no período da manhã o movimento de pessoas é muito grande e as filas são enormes. Já depois do meio dia, o lugar fica quase às moscas e o atendimento além de cortês, fica muito mais ágil.

Legal, posto isso, curtimos um peixinho de leve no almoço (acho que fazia uns 40°C na sombra) e partimos para fronteira por volta das 13h.

Pedimos a saída na migração do Brasil (é exigido esse carimbo no lado boliviano) e depois fizemos a nossa entrada na migração da Bolívia... eu com Passaporte e a Elda com RG.

Preenchemos nossos “permisos”, pegamos nossas autorizações e aproveitamos para fazer câmbio, já que a Aduana só abriria às 14h30.

Ao me apresentar ao oficial de aduana que me reconheceu, lhe informei que estava desta vez com uma moto em nome de terceiros e ao ver minha autorização com carimbo de cartório, pediu que eu fosse ao Consulado da Bolívia em Corumbá para pegar uma chancela (outro carimbo oficializando aquele documento).

Aí meu sexto sentido disse que alguma coisa não ia dar certo.

Voltamos para Corumbá, e ao ser atendido por uma senhora muito simpática que não parava de sorrir pra mim, expliquei minha situação e lhe mostrei a autorização do Presidente da Kawasaki no Brasil, mais meu contrato de Comodato e todas as cópias de documentos que são exigidas, neste caso, CNH e RG do Presidente da Empresa.

Então ela gentilmente me disse que se o documento da moto estava no nome da empresa e a autorização no nome do Presidente da mesma, então eu deveria buscá-lo!

Oi??

Disse que ele estava em São Paulo, a cerca de 1.500 km e que não seria possível.
Ela insistiu em vê-lo, pois precisaria recolher as suas impressões digitais.

Pensa no mundo caindo ao seu redor!

Sempre digo que estrada e mimimi não combinam, não existe espaço para “coitadice” em viagens, e pedi para falar pessoalmente com o cônsul, o que obviamente me foi negado.

Sai arrasado do Consulado da Bolívia diante da impossibilidade de entrar no país por um erro amador meu. Mas porque comi essa bola depois de rodar tantos países e guiar motociclistas inclusive por estas bandas?

Simples! Generalizei todos os países em um só.

Já viajei Uruguai, Argentina, Chile, Portugal, Espanha, França e Itália com uma moto em nome de empresa (no caso, da DUCATI do Brasil) e neste caso bastou apresentar uma autorização em Português em nome do Presidente da Companhia e com carimbo de cartório – mais nada, e nunca tive problemas.

Mas cada país é de um jeito, e a Bolívia (assim como o Peru) exigem mais do que um simples papel autenticado em cartório. É preciso um cadastro do proprietário do veículo, feito pelo próprio, em corpo presente, suas digitais, mais o visto do Cônsul, e se vacilar, até uma carta da mãe dizendo que você foi um bom menino.

Mas ali nada disso estava ao meu alcance.

Pensei primeiro nos meus parceiros que me apoiam, que compraram essa ideia de rodar a Bolívia fora do mapa, depois nos amigos que consegui atrair para este projeto, e tantos outros que estão ligados pensando em suas viagens futuras.

É muita gente para decepcionar.

Mas como disse, não existe espaço para vitimismo.
Diante de um perrengue, deve-se buscar uma solução e foi o que eu fiz.
Voltei para o hotel e comecei a buscar amigos na Bolívia que pudessem me ajudar, e de pronto meu grande amigo Luís Fernando me respondeu e disse que faria o possível para resolver esse problema.

Passei todos os detalhes para ele, e mais cópias de todos os documentos que eu tinha, e rapidamente ele passou para mais amigos que começaram a buscar soluções, conhecidos e brechas na lei que me favorecesse.

Em paralelo, eu e a Elda decidíamos um Plano B, que certamente não era voltar para casa. Se estamos na estrada e não podemos entrar em um país, vamos para outro destino. E neste momento começamos a buscar outros roteiros baseados em projetos que temos prontos na manga, só esperando a data certa para colocá-los em prática.

O Luís nos retornou dizendo que havia falado com o Consulado Boliviano em Corumbá, e que nada poderia ser feito sem uma ordem vinda de cima, foi quando surgiu a ideia de falar com um integrante do Governo, de alto escalão que não vou detalhar quem e de que altura, que no dia seguinte nos ajudaria.


Enquanto isso, tanto amigos do Riders Bolívia, como do Club Ducati Bolívia, entravam em contato com a Aduana para explicar a situação, e de quem eles estavam falando, do trabalho que faço, do propósito desta minha viagem, da quantidade de pessoas que já guiei pela Bolívia... enfim... foram tantos telefonemas que pela manhã parti para a Aduana aonde eu já era aguardado pela Superintendente que me atendeu no seu escritório no intuito de me ajudar.

Quando cheguei, ela já havia puxado a minha capivara e citava desde a minha primeira visita à Bolívia em 2011 com uma V-Strom, até as últimas sete vezes de Ducati... parte da minha estrada estava na tela do seu computador, o que a deixou muito surpresa pelo que pude notar.

Quis saber por onde eu viajaria neste momento, e conforme fui relacionando os lugares, um leve sorriso foi surgindo.
Ela me explicou toda a situação, disse dos riscos e complicações caso algo de ruim aconteça comigo ou com a moto, e que na volta, eu devo me apresentar a ela pessoalmente.

Pensa em um cara felizão da vida!

Preenchi um formulário que nunca vi na vida e confesso que assinei sem ler as linhas pontilhadas, mas já que ela confiou em mim, não tinha por que desconfiar da ajuda que estava recebendo.

Feito isso, eu estava finalmente liberado para entrar na Bolívia e não perdi tempo, mesmo já batendo 15h, coloquei a motoca na pista em companhia de dois motociclistas de Belo Horizonte Uai, os quais conduzi até Puerto Suarez para pegar a Ordem de Translado.

Dali, motocamos por alguns km juntos, mas eles acabaram se distanciando, e acabamos seguindo até Santiago de Chiquitos sozinhos.

Moral da história - fica o alerta que, ao vir para Bolívia com uma moto em nome de empresa, ou de terceiros (principalmente pessoa jurídica) todo o trâmite deve ser feito com o dono do veículo no Consulado antes de pegar estrada.
Ao contrário de outros países, a simples autorização autenticada em cartório, não funciona na Bolívia.

A vitória desse episódio se deu por conta da quantidade de amigos ligando na Aduana para passar meu histórico, e a natureza do meu trabalho colaborou, mas isso não abre prerrogativa... não adianta bater na porta da Bolívia e dizer... “mas deixaram o Guga entrar, deixa eu também”. Não vai colar.

Mais uma vez agradeço as mensagens de preocupação e ofertas de ajuda para tudo o que fosse preciso... juro que estou ficando mal acostumando com tanto carinho.
Vocês são demais, e é por isso que motocamos, para retribuir estes gestos e instigar mais e mais amigos a pegarem estrada... de preferência sem cometerem as burradas que vez ou outra nós cometemos.

Bora motocar... estamos na Bolívia!

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