BR-319 / NÍVEL 2 - WELLCOME TO HELL
Cidade: BR-319/AM | Categoria: Diário do Piloto
Postado em: 15/9/2013
Nosso dia começou por volta das 6h00 com o barulho da chuva no telhado de zinco da pousada da Dona Mocinha. Era a última coisa que eu queria ouvir antes de me embrenhar ainda mais Floresta Amazônica adentro... o sábio era aguardar.
E choveu!
Até que por volta das 7h30 parou e raios de Sol apareceram no horizonte. Neste momento já tínhamos cogitado a hipótese de ficar mais um dia ali em Igapó Açu, preocupados com a quantidade de chuva que tinha caído em 1h30... na Amazônia chove de verdade.
Mas o horizonte azul e a esperança de chuva local, mas não do tamanho da Floresta nos colocou na estrada 8h30 com planos de chegar a Humaitá, e com certa preparação de espírito para dormir em uma das torres da Embratel.
Esperançosos, partimos tão logo o casal de suíços e o lituano atravessaram de balsa para o outro lado do rio, e após um bate papo com Cumpadi e Simplício, integrantes do BR 364 MC de Rondônia que nos deram boas notícias... tudo seco dali pra frente. O senão ficou para o conjunto da obra, moto carregada, baixa e pesada... fora isso, com paciência e prudência, sairíamos dali no máximo no dia seguinte.
Confirmamos nossas reservas no Hotel Torre Embratel Aristóteles e notamos que ao nosso lado, a Floresta tomou o asfalto, ainda com marcas de faixa amarela, e subiu bem uns quatro ou cinco metros, demonstrando seu poder de “retomada de espaço”, onde a tola estrada tentou um dia passar.
Na mata fechada o asfalto começou a dar lugar a buracos grandes, geralmente fundos e cheios de água, relativamente fáceis de passar, mas que por precaução, desde o dia anterior, os trechos em que pintava uma dúvida, a Elda desmontava e eu passava sozinho.
Nesta época do ano as chuvas são menores e os dias extremamente quentes, então não nos deparamos com grandes atoleiros, mas as valas secas deixadas por eles não são nada simples de se cruzar, por que em muitos lhe faltam o apoio do pé no chão, e ai já viu.
Na combinação de uma vala seca seguida de buracos cheios (são vários combos que apresentaremos), a moto escorregou na beira de um buraco e o pé não deu chão.
Eu e a Elda não desistimos tá rápido e fomos sentindo o peso da V-Strom 650 (190 kg seca), o tanque cheio com mais 22 litros, além de outros 4 de reserva, venceram quando a gravidade se deu conta da nossa bagagem.
Como ela tombou para o lado direito, armei o pezinho e pegando a moto de costas, fiz alavanca e rapidamente a moto subiu. Senti-me o Super-Homem até terminar de prender novamente os baús e capotar no chão exausto do esforço debaixo de um Sol forte.
A esta altura eu e a Elda já não usávamos os capacetes, porém, sem esquecer o protetor solar.
O dia foi esquentando e as pontes começaram a surgir quase que uma atrás da outra. Bem diferente do dia anterior em que cruzamos uma e passamos pela lateral de duas.
Elas me deram medo!
Com a Elda a pé para verificar as condições de tábuas nem sempre bem fixas, ou sem a rampa de saída do outro lado, passei sempre em 1ª marcha, com os dois pés onde dava pé e procurando desviar das cabeças de pregos. Com o peso aproximado de 60 kg de carga, evitei colocar os Pneus Maxxis sobre eles... o traseiro já está quase na trama, preciso começar a observar seu desgaste.
As pontes rangem e estalam, quanto mais forte o Sol, mais secas, mais frágeis, e a altura causa vertigens quando o guidão fica bobo por causa da baixa velocidade e o peso carregado. É de suar frio e um “Haahhhh” muito mais gostoso que um bom gole de refrigerante gelado.
Ah! Um refrigerante gelado.
Por sorte água ali não faltava.
Geralmente nos igarapés parados, a água não é aconselhada. Já corrente, é preferencial. Na Discovery, programas de sobrevivência indicam ferver a água, ou ter um filtro ou comprimidos para purificar águas, porém, na prática a teoria é outra e quanto mais peixe nadando melhor.
Cristalina e deliciosa... a BR-319 mudou meu conceito sobre beber água, mesmo depois de crises renais, até mesmo em Cuzco/PE. Sempre brinquei que a água no mundo poderia acabar desde que tivéssemos cerveja e refrigerante... mas andar naquele Sol, desidratava rapidamente e a quantidade ingerida nunca era o bastante.
Na marcha de 10 km por hora percorrida, os 445 km até Humaitá já era sonho de criança. Nossa realidade era outra e quando chegamos à primeira Torre do dia, aproximadamente 35 km de Igapó Açu, o relógio já marcava 11h40 da manhã. Se era para dormir na mata, não seria ali, então partimos para a próxima Torre que pelo padrão deveria estar a umas 4 horas de viagem.
A base de bolacha Club Social e barrinhas de cereais, seguimos até mais um terreno comprado, desta vez sozinho, quando saindo de uma vala, fui retomar uma calçada de asfalto de uns 10 cm e a moto tombou.
Esta tombada foi do lado direito, então a Elda correu ao meu auxílio e enquanto eu erguia a moto, ela fez a vez do pezinho do outro lado e segurou boa parte dos 270 kg da motoca.
Não rolou fotos, mas rolou um senhor help que nos colocou logo no caminho.
Quando o Sol começou a baixar na copa de algumas árvores e as sombras começaram a cobrir a pista, abandonei jaqueta, colete e camiseta, repassei protetor solar e fui queimar banha de porco branca, entre paradas para tomar água e descansar.
O cansaço vai se fazendo presente com o passar das horas que não passam, assim como os quilômetros que se arrastam e fixam no painel. O dia vai pesando e o corpo padecendo, perdendo as forças e dando lugar a cãimbras nas pernas e braços, constantemente exigidos.
A atenção, tal qual no rípio da Ruta 40, é sempre à frente, olhando para o chão e avançando. Mas o esforço repetido prega peças nas escolhas, e por conta disso mais uma vez fui ao chão. Passando na beirada de uma vala, o meu pé de apoio afundou de forma contínua e rápida e a moto me lançou para dentro de uma poça de lama, tombando novamente para a direita.
Por sorte os Baús Trekker da GIVI são ultrarresistentes e seguram a moto como um Air bag, e mesmo tendo afundado mais da metade do baú direito na lama, a moto não tocou no chão.
Retirei o baú traseiro e esquerdo e com a Elda subindo na roda traseira, a moto inclinou e pude levantá-la mais uma vez.
Foi complicado sair dali, pois com o pezinho baixo, eu formava uma contra estaca que segurava a moto de pé, mas era preciso subir o pezinho para a V-Strom ligar e seguir. Segurando o peso da moto enquanto afundava o pé na poça, fui soltando a embreagem e a moto saiu devagar sem me levar para um voo mata adentro.
Passado o sufoco, um integrante do Almas Livres MC de Manaus, o Castro, passou por nós, conversou um pouco e seguiu com o objetivo de dormir duas Torres à frente da nossa que se aproximava em coisa de 5 km, segundo um Canadense de bicicleta.
Chegamos por volta das 15h50 na Torre Aristóteles depois de 40 km cravados, a tempo de encontrar funcionários da Embratel de saída que nos deixaram pernoitar.
Com água de igarapé, uma cisterna nos deu água para banho deliciosamente gelado, tão logo montei a barraca, fiz uma fogueira e capotei pouco depois das 19h30, quando jantamos sanduíches de atum em lata.
A Elda ainda ficou acordada por mais duas horas e meia, em companhia do Fiel, um vira lata que mora na estação. Disse que sentiu alguém atrás dela na escuridão e que quando olhou a mata, a paisagem avançou sobre ela, transpassou-a lhe arrancando um arrepio, acelerando o coração e logo se dando conta do poder da imaginação.
Esse lugar mexia com a gente e nos fazia pensar o que nos reservaria o dia seguinte.
A certeza de mais uma noite na selva... deixava escapar que não seria só isso!