MANIFESTAÇÃO NAS ALTURAS

10º dia de viagem
Cidade: Potosí/BO | Categoria: Diário do Piloto
Revisado em: 28/10/2017
Diário de Motocicleta

Fomos jantar ontem a noite debaixo de chuva, que foi piorando, piorando a ponto de deixar-nos apreensivos, ainda mais que no começo da semana, uma “tormenta” como dizem por aqui, atingiu Sucre com uma chuva de granizo que danificou parte da cidade, e lamentavelmente ocasionou a morte de dois jovens estudantes que jogavam basquete quando o telhado do ginásio desabou, tamanho eram as bolas de gelo que caíram.

Qualquer nuvem na Cordilheira é sinal de atenção, mas apesar de dormir sob os estrondos de trovões, o dia amanheceu calmo e com céu azul.

Arrumamos nossa bagagem e saímos rumo à Potosí, cerca de 150 km de Sucre, em uma viagem prevista para durar umas 2h no máximo.

No primeiro posto que paramos, reconheci as duas motos – uma Triumph 1200 e uma KTM 1290 – que fotografamos no dia anterior, e junto a elas, dois motociclistas da Inglaterra que ficaram muito felizes em nos ver. Segundo Phill, o mais falante da dupla, havia dois meses que não viam um motociclista na estrada.

A conversa se desenrolou parte em Inglês, parte em Espanhol e pelo que entendemos, ambos haviam voado com as motos para o Alaska e estavam descendo para o Ushuaia.

Abastecemos, fizemos fotos, trocamos cartões e quando saímos do posto, tudo estava parado, um trânsito só, com carros dando ré, outros subindo pelas calçadas diante de policiais que nada podiam fazer – era uma manifestação de mulheres segundo um oficial me explicou, mas não consegui entender exatamente de que elas protestavam. Segundo ele, em no máximo umas 3 ou 4 horas tudo estaria resolvido, mas não estava afim de esperar, e sendo aquela a única saída para Potosí, fui tentar um diálogo.

Phill e Tom ficaram nas motos assustados, enquanto eu e a Elda seguimos em direção às manifestantes, mulheres nervosas, carregando cartazes e gritando palavras de ordem.

Busquei a mais brava e disse que era do Brasil, se ela me permitiria passar de moto.
A princípio ela disse não, mas um oficial disse que em nada ajudaríamos ali, então a senhora consentiu.
Corri de volta para as motos, avisei o Phill que poderíamos passar, mas que teríamos que ser rápidos, e que eles me seguissem colados.

Colocamos as motos em movimentos e com muita calma fui avançando sobre a multidão que cercou a moto e aos gritos, diziam que não passaríamos.
Mais uma vez o oficial pediu que nos deixássemos passar, e quando uma mulher muito alterada me chamou de gringo, dizendo que eu não sabia nada do que se passava na Bolívia, respondi que eu era do Brasil e que apoiava sua manifestação, mas que não poderíamos ajuda-la naquele momento.

Isso fez com que as mulheres abrissem caminho, e com muita calma e agradecendo a todas, fomos avançando “despacito” até ver a via do outro lado, e finalmente começamos nossa viagem.

Phill e Tom ficaram muito felizes, me acenavam entusiasmados e sambavam em zig-zag com as motos quando entramos na Ruta 5 em direção a Potosí.

Phill, aparentemente uns 60 anos, logo tomou a dianteira e fazia umas curvas nervosas deitando a Triumph quase no limite, já o Tom, com uns 65 anos, era um “curva dura” de doer, passou por mim rasgando na reta, e começou a se posicionar na moto, jogando a bunda pro lado antes da curva, e quando eu pensei que veria os baús raspando, na verdade vi um vermelhão da lanterna de freio que quase me esborrachei na traseira dele.

A cada reta ele entortava o cabo para alcançar o Phill, enquanto eu mantinha a minha velocidade em 95 km/h, certo de que a cada curva eu o alcançaria... e assim foi por uns 50 km quando paramos para fazer fotos de uma ponte antiga na divisa dos Departamentos de Chuquisaca e Potosí, e, como eles ainda iriam até o Uyuni, ali nos despedimos.

Depois de fotos e filmes, continuamos subindo ainda mais a Cordilheira dos Andes através de curvas intermináveis que acabaram enjoando a Elda que chegou a vomitar, mesmo tendo tomado um Dramin – não houve relação com a altitude ou Mal de Puno, uma vez que já estamos bem aclimatados, foi curva em excesso mesmo.

Em Betanzos, cerca de 45 km de Potosí, paramos para que ela pudesse comer um pouco de amendoim – bom para a pressão, e tomar um pouco de água, mas neste ponto já estava se sentindo bem.

Voltamos para pista de olho em umas nuvens negras que avançavam sob o céu azul, bem na direção de Potosí (4.060m de altitude), e foi o tempo certo de chegarmos no hotel para começar a cair o molho.

Fomos almoçar e voltamos com a chuva gelada caindo, alternando entre garoa e pingos grossos que durou até o fim da tarde, e quando finalmente parou, o Cerro Rico (4.500m de altitude) estava coberto de neve e a cidade se transformava em um freezer.

Algo me diz que amanhã nosso passeio fará a temperatura subir... aguardem.

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