DEITANDO A 140 KM/H RUMO AO BRASIL

36º dia de viagem
Cidade: Foz do Iguaçu/PR | Categoria: Diário do Piloto
Postado em: 7/1/2013
Diário de Motocicleta

Uma frase que ouvi em uma palestra do motociclista Rafael Karan é que “não existe heroísmo algum em viajar de motocicleta”, e sempre que posso repito esta frase para os amigos, e para mim mesmo.

O moto turismo é essencialmente superação dos desafios e o cultivo da humildade. Para um motor de 650cc você não é nada. Sem você, um motor de 650cc não é nada. Para as Cordilheiras dos Andes e as inóspitas estradas da Argentina, vocês dois são apenas grãos de areia.

Pra que se achar mais que outros por conta de uma aventura de moto?

O foco deve estar na superação dos desafios e dos limites impostos pela mente e pelo corpo. Como na manhã deste 36° dia de estrada, em que acordei morrendo de fome, após 24h da minha última refeição, um “desayuno” típico argentino com café aguado, um croissant doce e dois pãezinhos duros com manteiga, mesmo com as roupas ainda molhadas de chuva da noite anterior que não deu trégua por longos 200 km, eu me encontrava disposto a rodar mais 1.000 km, agora rumo ao Brasil.

Até pegar a Ruta 16, velha conhecida do projeto Caminho do Peabiru, onde rodei de Salta à Corrientes em um dia (850 km e quase pane seca), continuei no Chaco pela Ruta 89 sem muita novidade no traçado, uma entrada para a chatice que é a 16, reta interminável, asfalto ruim, campo a perder de vista dos dois lados e muito caminhão.

Ao chegar em Corrientes, apenas 600 km me separavam da nossa pátria que confesso que já estava com saudades.

Parei para comer um sanduiche no posto em que abasteci, acessei rapidamente meus e-mails – um dia sem internet atrapalha tudo – e logo segui para estrada.

Na frente da saída para Itati, vi um brasileiro parado no posto, voltei e fui conhecê-lo.
Sérgio do Rio Grande do Sul com uma GS se preparava para descer até Corrientes e encontrar um grupo de amigos com os quais seguiriam para o Ushuaia.

Opa... o Ushuaia eu conheço.

Dei-lhe algumas dicas de rípio, combustível, hotéis e câmbio.
Tiramos fotos, trocamos cartões e seguimos viagem em caminhos opostos... ele começando, e eu próximo do fim.

Ao longo do caminho cruzei com vários brasileiros, aliás, atenção aos empresários do setor duas rodas... os brasileiros estão cada vez mais viajando de moto não só para Serra Negra e Itu... mas para o Brasil, e principalmente o Cone Sul, são roteiros preferenciais.
Pelas minhas contas, passei um grupo de 5 motos sendo dois casais, depois outro grupo com 4 motos, um casal sozinho e dois amigos... somado ao Sérgio; só neste dia foram 16 brazucas na estrada entrando na Argentina.

Enfim, voltando para estrada. Neste trecho o Sol estava tão forte, que minhas roupas já tinham secado, embora as redondezas da estrada ainda houvesse muitos pontos de alagamentos. Em Charata chovei tanto quanto em Corrientes, e o frentista do posto disse que há muito tempo não se via uma “tormenta” – como eles chamam – tão forte como da noite passada.

Tive sorte!

No roteiro do dia, as curvas da Ruta 12 após Posadas me aguardavam.
Em 2011 voltando do Peabiru, lamentei os 300 km de chuvas fortes que me impediram de filmar e fotografar, e agora era a revanche, embora estivesse disposto a não parar muito para fotos, já que o dia corria e no Brasil, ao atravessar a fronteira perderia uma hora no relógio.

Passado Posadas e, com o tanque bastecido pela última vez nesta viagem com “nafta azul”, segui a Ruta 12 em incríveis 200 km de curvas abertas, subidas e descidas dignas de montanha russa.

Acho que é uma das estradas mais deliciosas que eu já peguei na vida. Ela não acaba nunca e por ser larga e possuir curvas grandes e abertas, é possível entortar o cabo e percorrer a uns 130, 140 km/h – o limite de velocidade em alguns trechos é de 60 km/h e andar nesta velocidade é uma infração e uma irresponsabilidade.
Ciente disso, e por conta do baixíssimo movimento às 19h local, desci a mão e me diverti muuuuuito, com o céu azul ficando para trás e o horizonte escurecendo novamente... tive a impressão de conhecer aquele filme e desconfiar de como ele acabaria.

Como planejado parei para poucas fotos, mas filmei até anoitecer, quando a última bateria da Go Pro arreou. É uma estrada para filmar inteira e todas as vezes que eu voltar, vou filmar novamente.

Quando anoiteceu o céu se acendeu em trovões majestosos e a chuva me alertou para guardar as câmeras antes do molho. Foram apenas 60 km de água, mas que em apenas 5 minutos já deixara minha camiseta encharcada.

A visibilidade acabou pra mim, viseira velha com mais de 60 mil km não serve pra mais nada, muito menos para andar na chuva.
Comecei a perceber lama na pista e me perguntava de onde será que vinha, já que constantemente subia e descia colinas, quando de repente descendo uma ladeira, ao iniciar a subida, meus pés foram arrancados dos pedais e jogados para trás por conta com impacto de uma poça de água. Eu senti a água entrar por cima da bota que é cano alto. Não sei como não cai, já que a moto sofreu uma grande desaceleração e mergulhou neste canal, e de tão rápido não deu tempo de desacelerar.

Tentando engolir o coração algumas vezes, abri a viseira até a altura dos olhos e fui devagar até que km depois o chão começou a secar.

Aproximadamente 15 km da fronteira com o Brasil, nenhuma gota caia do chão, apenas aquelas que escorriam da minha roupa e da moto.
Mesmo molhado preferi ir jantar já que no relógio passava das 23h... restaurante fecha, hotel não!

Fico um dia em Foz e sigo para São Vicente, última perna de 1.000 km desta viagem.
Fiquem com a gente que ainda vem história.

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